JULIO BRESSANE
Dono de uma filmografia com obras nada convencionais, o diretor Júlio Bressane, por quatro vezes vencedor do troféu Candango nas edições do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro,
É conhecido pela sua capacidade de rodar longa-metragens com orçamentos baixos. - Foi convocado em 1970 pelo regime militar para interrogatório, tendo recebido ameaça de prisão devido a um suposto vínculo com o líder da esquerda Carlos Maringuela. - Viveu exilado em Londres durante 3 anos. - Filmou "O Anjo Nasceu" em apenas 7 dias e "Matou a Família e Foi ao Cinema" em 12 dias. - Dirigiu o episódio "Quem Seria o Infeliz Conviva de Isadora Duncan?" do filme "Oswaldianas". - Dirigiu o clipe de "As Canções que Você Fez para Mim", de Maria Bethânia.
O diretor Julio Bressane
Imagem: Marcos A. Rezende/Folhapress
Os amigos cariocas Julio Bressane e Elyseu Visconti foram parte do movimento dos que se levantaram contra o cinema novo e suas profundas raízes europeias e através da mesma fonte – uma câmera na mão e uma ideia na cabeça fizeram cada qual, seu caminho.
Para o Debate CINEMA DE INVENÇÃO nos brindou com este maravilhoso texto
Elyseu Visconti: Os Monstros de Babaloo
“Os Monstros de Babaloo”, filme de 1970 carregado de energia e pathos, integração e desintegração dos sentidos que ocasionam a exteriorização completa de todas suas pulsões. Sensações, correntes mnésicas recebidas do passado, uma temporalidade enlouquecida de um tempo vivido, fazem parte do processo de invenção, representadas numa forma reprimida na memória, um espelho perturbado por uma psicografia de inclinações, de alucinações, que de diversas maneiras se desdobram e se mostram por inteiro. Abalo prolongado, tremor sensível de uma exposição feita de dentro para fora, completamente. Descoberta essencialmente irracional dos sentidos, imagem futura e a futura imagem... Película que se inclina sobre si, história de imagens em imagens, traçado do comportamento, dos gestos, um mundo carnavalesco e pré-histórico, já desvencilhado do inchado território da verossimilhança. Filme autobiográfico, delírio trágico, que expõe o lado terrível da vida onde o arquejo biográfico não cessa de avançar sobre a imagem.
A fotografia e câmera de Renato Laclette, o sensível, corajoso, brilhante fotógrafo da Belair, cria, recria, transporta, para dentro da rude e fantasmagórica tragédia familiar, uma transparência, uma compreensão da luz, uma textura de grãos em branco e preto impressos em película 35 mm, que retesa, abrange no tempo o amplo arco histórico dos fotogramas cinematográficos e nos faz vir aos olhos e ao pensamento à antiga luz dos primeiros experimentos do cinematógrafo.
Os atores, em representação expressionista -radiofônica, libertos da camisa de força do realismo da verossimilhança, são um experimento de invenção. Tal uma onda revolta o conjunto dos atores, excepcional conjunto de atores, criadores de imagem, numa rara reunião, povoam a tela com humor, rumor e rebeldia, a estilar uma vocação de liberdade quase sempre negada, ameaçada, proibida, pela brutalidade da censura e estrangulada pela espessa e nefária indiferença nacional.
Os desenhos originais, feitos para o filme, dos figurinos e das caracterizações de maquiagem são de Helio Eichbauer.
Há na montagem de Geraldo Veloso o saber fazer, savoir faire, a elegância do corte, do ritmo que impulsiona a ação e faz contraste entre as imagens produzindo um nexo, um vínculo orgânico, entre imagem, pensamento, figuração. Estar dentro e fora, pulsar na potencia dos opostos de um entrecho fantasioso, excepcional por seu pendor irrealizável e quimérico.
Poesia bela hidráulica, como disse um filósofo do século 19. A água parada de um lago não nos diz o que seja a água. Mas quando a vemos em suas diversas variações e formas, a borbulhar na fonte perene, a rolar e espumar em uma queda, a subir em jorro, a evaporar em nuvem gasosa, adentra o nosso espírito a apercepção integral, a ideia da água. Poeta hidráulico tem sensibilidade que transita por estados mentais perigosos, estados mentais de grave risco, espaço mental interditado...
Dizia-se nos tempos antigos: ”deixou falar a voz do espírito santo...” eis a natureza desses fotogramas.
Julio Bressane, abril de 2021.